Brahmacharya

Breve Introdução:

No texto "Os alicerces do yoga" foram abordados os oito membros do yoga, segundo os Yogasutras de Patanjali: Yama; Nyama; Asana; Pranayama; Pratyahara; Dharana; Dhyana e Samadhi. 

Para relembrar, os Yamas são cinco:
Ahiṃsā, não violência; Satya, verdade; Asteya, não roubar; Brahmacharya, controle da energia sexual; e, Aparigraha - desapego.

Segundo Patanjali, a observância de Ahimsa torna o Sadhaka (monge) imune ao sentimento de inimizade de todos os seres. Satya o leva a obter os resultados desejados de qualquer ação sem muito esforço. Asteya leva à disponibilidade de riqueza ao iogue, o que for necessário para o benefício das pessoas carentes.  Brahmacharya leva ao acúmulo de Veerya (energia vital) e, como resultado, Ojas (energia espiritual que é armazenada no cérebro). Ojas é a verdadeira força por trás da conquista do Brahman. O Aparigraha leva ao conhecimento dos nascimentos passados ​​e futuros do iogue e acentua seu desejo de se livrar dos ciclos de nascimentos e morte [3].

Este texto aborda o IV Yama: Brahmacharya ब्रह्मचर्य


O Yama de Brahmacharya tem sido o mais incompreendido pois lida com a essência mais poderosa do ser: a energia sexual. Parte dessa incompreensão é cultural (oriente- ocidente) e outra parte se dá pela interpretação literal, sem a alocação cultural devida. O texto inicia com o significado mais conhecido de brahmacharya, o celibato.

O Bhakti Vedanta trata Brahmacharya como celibato, abstinência sexual completa [3]. O estado de uma pessoa que fez votos de permanecer solteiro [2]

Como assim?
Os seguidores védicos são orientados a levar uma vida subdividida em quatro fases (Ashrama dharma), que variam de acordo com a idade. As quatro fases conhecidas como Ashramas tem como objetivo principal tornar a vida harmônica com a natureza, permitindo que o corpo, as emoções e a mente se desenvolvam e passem por seus ciclos naturais da maneira mais positiva possível [3]. 

Mas sexo também é algo natural na vida, certo?
Calma, vamos entender que fases são essas primeiro. 

Os quatro estágios são os que seguem: Brahmacharya marca o início do estudo formal das escrituras e do conhecimento sagrado, geralmente com um acharya - ou guru. Esta fase compreende dos 12 aos 24 anos. Conforme a tradição hindu, essa fase é vivida em ashrams (que significa abrigo, mas que pode ser entendido como um monastério) com forte rigor à disciplina, a conduta individual e a separação de gêneros. 
Grihastha é a vida matrimonial, "chefe de família", dos 24 aos 48 anos. Esses dois primeiros ashramas representam pravritti marga, que são as fases da construção da vida e são motivadas pela força, pelo desejo e ambição. Essas energias são mais presentes nos três primeiros chakras: muladhara, svadhisthana e manipura. 
Vanaprastha é a fase de conselheiro ancião, entre 48 a 72 anos. Por último, Sannyasa, o solitário religioso, eremita, a partir de 72 anos.  Os dois últimos são os nivritti marga época dedicada a afastar-se do mundo material através da introspecção e renúncia [2]. Também podem ser relacionadas às energias dos chakras superiores ajna e sahasrara.

De acordo com o dicionário, Brahmacharya significa "Caminho para Deus" ou "movendo-se em Deus". Pureza sexual,  "Conduta divina". Trata-se do controle da luxúria, permanecendo celibatário quando solteiro, levando à fidelidade no casamento [2].

A partir dessa descrição entende-se o celibato como uma fase da vida, não como algo permanente. Também é possível entender que não é um significado simplista, ele sugere  uma ideia de atitude com relação aos desejos.

Ao desmembrar a palavra, tem-se que "Brahma" significa Deus; "charya" significa ação, ou seja, 'Ação de Deus' ou 'Ação Divina' [1]

Como assim ação divina?

Os Upanishads indicam que dentro de cada indivíduo há uma força divina e, no  ato sexual, ocorre uma comunhão. Ou seja, não há nada de ruim com a sexualidade ou com o corpo. Não é sujo, pecaminoso, errado. Nas escrituras o corpo é mencionado como o castelo de Brahma. O corpo é um templo e o ato sexual é um ato de adoração divinaOs Upanishads dizem que o a vulva é um altar e que os cabelos da vulva são as chamas do altar. Brahmacharya segundo essa percepção é uma atitude de adoração divina. Não tem a ver com o ato sexual em si, mas com a atitude que é mantida na consciência [1]. 

A partir desse entendimento, expande-se o sentido da palavra tornando-o maior que apenas o ato sexual.

Continência sexual em pensamento, palavra e ação, bem como controle de todos os sentidos [4].

A partir disso, entende-se que  brahmacharya tem uma natureza de controle, de autocontrole.
Mas esse controle não é apenas sexual. O sexual é mais evidenciado porque desperta um desejo maior, mais forte, mais intenso um desprendimento maior de energia.
O espírito tem dois aspectos, um de consciência e um de energia. A consciência é constante, enquanto a energia é cíclica. É o movimento da energia que produz (e é) a nossa experiência da realidade, e é o desenvolvimento da energia que permite o processo da evolução [4] Portanto, a conservação e aplicação de energia é o principal determinante do sucesso ou fracasso, considerando um esforço de autoconhecimento com o objetivo da união com o supremo.  Difusão e dissipação de energia sempre nos enfraquecem [4]Basicamente, brahmacharya é a conservação e o domínio de todos os sistemas e poderes de energia do nosso serSe as energias sexuais que circulam em nós estão distorcidas, todas as atividade do indivíduo serão influenciadas [1]Isto é especialmente verdade em relação às emoções negativas, pois muita energia é gasta com luxúria, raiva, ganância, inveja, ódio, ressentimento, depressão, medo, obsessão, entre outras. Além disso, esses sentimentos são as causas e os sintomas da perda do autocontrolea emoção negativa nos esgota tanto fisicamente quanto energicamente [4]Os princípios básicos da força da vida, o prana, é dissipado através de qualquer atividade intensa dos sentidos, enfraquecendo o Ser interior. Por isso o autocontrole está relacionado ao brahmacharya. A inobservância do controle sexual é incalculavelmente mais destrutiva da consciência do que qualquer outra forma de experiência sensorial, pois gasta a força vital em um grau muito, muito além do de outras experiências sensoriais. Tanto o corpo quanto a mente são esgotados pela atividade sexual [4]

Considera-se que, se o sexo for dominado, todos os sentidos serão dominados por consequência [3]


Portanto, a energia sexual é uma energia relacionada aos prazeres da vida, às expressões da criatividade e do relacionamento do indíviduo com o mundo. Assim como no chakra Swadhisthana (morada da força vital), o prazer é a força motriz para desfrutar a vida através do paladar, olfato, tato, visão e audição. Controlar não significa não se permitir sentir, mas sim viver em equilíbrio e responsabilidade. 
Reconhecendo que a aceitação e a rejeição não são as únicas opções nas formas de se relacionar. A energia desse chakra permite que se faça mudanças na vida, fazendo escolhas pessoais claras. É um estímulo para formarmos relacionamentos que nos conduzam a uma verdade mais nobre.

O conceito de brahmacharya não deve ser entendido como negação, austeridade forçada ou proibição. Um brahmacharya  é um indivíduo que reconhece a divindade em tudo. Brahmacharya tem pouco a ver com se é solteiro ou casado, é sobre desenvolver aspectos mais elevados na vida diária. Não é necessário para a salvação de alguém para ficar solteiro, pelo contrário, o casamento é recomendado. Sem experimentar amor humano e felicidade, não é possível conhecer o amor divino. Quase todos os iogues e sábios da Índia eram homens casados ​​e com famílias. Eles não se esquivaram de suas responsabilidades sociais ou morais. Casamento, maternidade e paternidade não impedem o conhecimento do amor divino, da felicidade e da união com a Alma Suprema [6]

Shiva Samhita versa que "O iogue deve permanecer na sociedade, mas o coração dele deve estar no supremo. Ele não deve renunciar aos deveres de sua profissão, casta ou posto.  Ele consegue seguir sabiamente o método do Yoga, não há dúvida disso, permanecendo no no meio da família e cumprindo com os seus deveres. Aquele que está livre de méritos e deméritos - e restringiu seus sentidos, alcança a unificação"  (Capítulo V, versículos 234-8). 

É disso que trata todo o conceito de Brahmacharya que é um elemento vital do Yoga, e que significa algo muito especial [1]Emoções positivas aumentam os níveis de energia e força física. O cultivo do amor, compaixão, generosidade, alegria, empatia reforçam os aspectos mais profundos da força interior e da saúde, em todos níveis. Todo átomo de energia do indivíduo tem um lugar e um propósito.  Garantir a correta alocação e gasto de energia é a essência da yoga e brahmacharya é a base.  O brahmachari desenvolve um fundo de vitalidade e energia, uma mente corajosa e um intelecto poderoso para combater qualquer tipo de injustiça. O indivíduo usa as forças geradas por ele sabiamente, utilizando o físico para a execução do trabalho, sem pensar nos resultados; o mental para a difusão da cultura e o intelectual para o crescimento da vida espiritual. Brahmacharya é a bateria que acende a tocha da sabedoria [6]Ao aperfeiçoar esse yama grande valor é conquistado e medo da morte é perdido [7].

Mas, cada pessoa tem que descobrir o significado interno disso em um nível profundamente pessoal [1].   

Com a responsabilidade de quem sabe todo o poder que tem em si. Que entende que a energia sexual também é autoconhecimento e que escolhe com quem quer partilhar ela. Ou escolhe não partilhar. Isso é ser livre e ter autocontrole.

Ainda relacionado à energia sexual mas agora voltado ao gênero masculino. Pensa-se que a perda de sêmen leva à morte e sua retenção à vida. Pela preservação do sêmen, o corpo do iogue desenvolve um cheiro doce. Enquanto o sêmen for retido, não haverá medo da morte. Daí a ordem de que a ejaculação deve ser preservada pelo esforço concentrado da mente [6]. Não desperdiçar sua veerya por qualquer meio é chamado brahmacharyam [8].

A prática de pranayamas, asanas, mudras e bandhas são recomendadas para o aperfeiçoamento desse yama. Com o controle da respiração desenvolve-se o autocontrole em todas as situações da vida. Dentre os asanas, a prática de Sirshasana (invertida sobre a cabeça) faz com que sangue e Prana fluam em direção a cabeça, aumentando a memória e  melhorarando a qualidade da meditação depois da execução desse asanaSarvangasana (invertida sobre os ombros) atua como um tônico para o sangue, purificando e rejuvenescendo aqueles que perderam sua potência [5]. Por que a ênfase nas invertidas? A energia do líquido seminal  é transmutada em energia espiritual, Ojas, que será usada para outros propósitos (Dhyana). Quando você faz este Asana, imagine que a energia seminal está sendo convertida em Ojas e está fluindo pela coluna vertebral em direção ao cérebro para armazenamento [5] Dentre as bandhas, Mula Bandha Uddiyana Bandha são os mais eficazes para manter brahmacharya [5]

Para finalizar, algumas afirmações para ajudar a equilibrar a energia do chakra sexual, Swadhisthana: 


Minha sexualidade é sagrada
Eu valorizo ​​e respeito meu corpo
Eu amo meu corpo

Eu crio limites saudáveis

Eu abraço minha paixão interior
Eu me permito sentir minhas emoções
Eu estou exatamente onde eu preciso estar
Eu confio na vida e confio em mim mesmo

Libero minhas emoções interiores criativamente

Eu estou sempre seguro(a)
Eu tenho muitos recursos e minhas necessidades de segurança são sempre atendidas
Eu sou próspero e abundante
O universo sempre fornecerá mais para mim

Eu vivo em um universo abundante

Eu confio na bondade da vida
A vida me ama e eu amo estar aqui
Eu sou um ser divino de luz e estou seguro, protegido e amparado pelo todo
Que todos os seres possam experienciar Brahmacharya,
Namastê
ब्रह्मचर्य


Referências do texto:
[1] A Chakra and Kundalini Workbook, Swami Anadakapila Saraswati
[2] Hinduism Online Lexicon A - Z Dictionary 
[3] Inner Secrets of Raja Yoga - Yoga of Gita, Swami Yogeshwarananda
[4] Om Yoga - It´s Theory and Practice, Swami Nirmalananda Giri
[5] Kundalini Yoga, Swami Sivananda
[6] Light on Yoga, BKS Iyengar
[7] Understanding the Yoga Darshans, Yagacharya Ananda Balayogi Bhavanini
[8] Yoga Makaranda, Sri T. Krishnamacharya

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