Como a meditação e respiração alteram a fisiologia humana



Essa semana eu tive a sorte de me deparar com um artigo científico internacional, na área de imunologia, e que trata dos benefícios de práticas como a meditação, yoga, relaxamento, atenção plena, etc, na redução do risco de desenvolver doenças de cunho inflamatório ou auto imune.
Artigos como esse são muito difíceis de encontrar em português e, infelizmente, nem todos os brasileiros possuem um nível bacana de inglês para ler um artigo assim. 
Pensando nisso, fiz um breve resumo do artigo, mas para quem quiser ler o artigo na íntegra em inglês, pode clicar aqui.  
Para os demais, segue um resumo, adaptado, do artigo.

O que é a assinatura molecular das intervenções mente-corpo? Uma revisão sistemática das alterações de expressão gênica induzidas por meditação e práticas relacionadas

Ivana Buric, 
Miguel Farias, 
Jonathan Jong, 
Christopher Mee, 
Inti A. Brazil

"Há evidências consideráveis ​​na eficiência das intervenções mente-corpo (mind-body inteventionsMBIs) na melhoria da saúde mental e física, mas os mecanismos moleculares desses benefícios permanecem mal compreendidos. Uma hipótese é que os MBIs revertem a expressão de genes envolvidos em reações inflamatórias causadas pelo estresse. MBIs, podem ser entendidas aqui como práticas de  atenção plena, yoga, Tai Chi, Qigiong, resposta de relaxamento e regulação da respiração

Os estudos indicam que essas práticas estão associadas a uma regulação negativa do fator nuclear Kappa B [kappa b é um complexo proteico que controla a transcrição de DNA, produção de citoquinas e sobrevivência celular. NF-κB é encontrado em quase todos os tipos de células animais e está envolvido em respostas celulares a estímulos tais como estresse, citocinas, radicais livres, metais pesados, irradiação ultravioleta, LDL oxidado e antígenos bacterianos ou virais. NF-κB desempenha um papel fundamental na regulação da resposta imune à infecção (as cadeias leves κ são componentes críticos das imunoglobulinas). A regulação incorreta do NF-κB tem sido associada ao câncer, doenças inflamatórias e auto-imunes, choque séptico, infecção viral e desenvolvimento imune impróprio]

Este efeito negativo do fator kappa B é o oposto dos efeitos do estresse crônico na expressão gênica e sugere que as práticas de MBI podem levar a um risco reduzido de doenças relacionadas à inflamação


Nos últimos vinte anos, práticas de MBI têm obtido apoio empírico e reconhecimento por profissionais de saúde mental. Enquanto algumas práticas, como ioga, Tai Chi e Qigong, têm um forte componente físico, outras como a meditação e atenção plena, as técnicas de regulação da respiração e a resposta ao relaxamento são principalmente sedentárias. Apesar da variabilidade nessas técnicas, todas parecem produzir vários benefícios psicológicos em populações saudáveis ​​e clínicas, como a redução do estresse percebido, o alívio da depressão, diminuição da ansiedade, ou para ajudar a lidar com uma doenças crônicas. No entanto, ainda não estão claros todos os efeitos dessas práticas a níveis celulares e gênicos. Os estudos utilizando neuro imagem sugerem que as práticas de interação mente e corpo - MBIs aumentam a matéria cinzenta nas regiões cerebrais relacionadas à regulação emocional, aprendizagem, memória, processos auto referenciais e tomada de perspectiva. No entanto, esse resultado não pode ser generalizado, visto que diferentes técnicas de MBI e o tempo de duração dessas práticas, obtém diferentes padrões neurais. O desenvolvimento de técnicas de análise de expressão gênica é importante para os psicólogos obterem uma compreensão mais profunda dos mecanismos biológicos que sustentam, ou interagem, com as variáveis psicológicas. Além de ser uma medida objetiva de avaliação e comparação da eficácia das diferentes práticas de interação mente-corpo, a análise dessas mudanças a nível gênico tem um valor teórico considerável, pois revela os mecanismos subjacentes aos efeitos psicológicos e físicos das MBIs.



E como funcionam essas técnicas?

As técnicas de detecção de expressão gênica produzem uma enorme quantidade de dados quantitativos - uma longa lista de genes. No entanto, uma característica dos genes é que eles  unem-se como uma rede para produzir um traço observável, ou uma função biológica mensurável, então ao detectar os genes individualmente, é difícil saber ao certo se ele está – ou não – relacionado à função biológica requerida. Ainda,  alguns genes regulam a atividade de outros genes



A bioinformática foi crucial para que esse estudo pudesse ser feito, pois foi possível identificar qual dos genes individuais pertenciam à mesma rede e, portanto, tem a mesma função e representam determinada função ou traço biológico. 

A análise de bioinformática mais comum nesse tipo de pesquisa é o Sistema de Escuta de Elemento de Transcrição (TELiS). Essa análise avalia qual é o fator de transcrição que está regulando a expressão gênica em meio a um conjunto de genes. O fator de transcrição chave é o fator nuclear Kappa B (NF-kB), que é produzido quando o estresse ativa o sistema nervoso simpático. NF-κB traduz o estresse na inflamação, alterando a expressão de genes que codificam citoquinas inflamatórias. 


Quanto menor a atividade do NF-κB menor o processo inflamatório. 

O estresse pode ser considerado como uma resposta corporal a eventos que são percebidos como uma ameaça ou um desafio. Essa resposta pode precipitar um risco para a saúde quando o estresse é grave ou ocorre durante um longo período de tempo sem mecanismos de enfrentamento adequados. Verificou-se que a exposição a estressores graves pode ter uma profunda influência no corpo e pode levar a mudanças prejudiciais em sua fisiologia, como a redução da matéria cinzenta em várias regiões do cérebro.

Os efeitos do estresse vão além do cérebro e podem ser encontrados em nossos genes sob a forma de um CTRA. O CTRA é um padrão molecular comum que foi encontrado em pessoas expostas a diferentes tipos de adversidades, como falecimento, diagnóstico de câncer, trauma  e baixo poder socioeconômico.

A característica primária do CTRA é a regulação positiva de genes pró-inflamatórios que levam a uma maior inflamação no nível celular. Embora a inflamação aguda seja uma resposta adaptativa de curto prazo do nosso corpo, o que aumenta a atividade do sistema imunológico para combater lesões ou infecções, a inflamação crônica é desadaptativa porque persiste quando não há ameaça real para o corpo. A inflamação crônica está associada ao risco aumentado de alguns tipos de câncer, doenças neurodegenerativas, asma, artrite, doenças cardiovasculares e distúrbios psiquiátricos (por exemplo, depressão e transtorno de estresse pós-traumático) . A outra característica  do CTRA  está associada à susceptibilidade a infecções virais, como vírus herpes simplex, HIV-1, entre outros.
Dado isto, o CTRA é considerado uma assinatura molecular do estresse crônico

E como esse tal de CTRA atua em nosso corpo?

Considere o caminho que liga um evento estressante a uma mudança psicobiológica observável, como o início da depressão. O estressor ambiental, que poderia ser uma ameaça física ou social, primeiro ativará regiões cerebrais associadas à dor; então, irá projetar em regiões mais baixas que modulam a inflamação através do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA) e SNS. 



O SNS inicia a produção de neuromoduladores epinefrina e de norepinefrina. Eles são responsáveis por promover a inflamação, ativando a produção de proteínas citocinas, que podem inibir ou iniciar o processo inflamatório. São elas que, ao voltarem ao cérebro, iniciam os sintomas de depressão como fadiga, mau humor, etc. Porém, em condições normais, a HPA iniciaria a produção de genes para suprimir esse processo inflamatório. 

No caso de estresse prolongado, o corpo se adapta à secreção contínua de HPA, mantendo o processo inflamatório. Se esta condição for mantida durante anos, há um alto risco de doenças relacionadas à inflamação, infecção, envelhecimento biológico acelerado e mortalidade precoce. 

É provável que o CTRA tenha desempenhado um papel importante na nossa pré-história do caçador-coletor, pois relacionou a resposta de luta ou fuga com a expressão genética pró-inflamatória que proporcionou proteção quando houve maior risco de infecção bacteriana por feridas. Esta resposta imune pode ter sido adaptável naquela época, mas, nas sociedades modernas de hoje em que o estresse é principalmente o resultado de ameaças psicológicas, esta resposta é desadequada, pois promove doenças relacionadas à inflamação, tanto psiquiátricas como médicas. 

Tá, e onde entram as técnicas de interação mente-corpo?

Qigong:

Foi feita uma comparação entre os perfis de genes de seis praticantes de Falun Gong Qigong a longo prazo [que praticam de 1 a 5 anos, diariamente, entre 1 a 2 horas diárias] e seis controles saudáveis [fisicamente inativos há pelo menos 1 ano e que não praticavam nenhuma técnica mental]. Alguns dos genes expressos têm funções comuns, assim, os resultados sugerem que Qigong aumenta a imunidade, estabelece o metabolismo celular e atrasa a morte celular.  

Foram pesquisados 42 praticantes a longo prazo de Sudarshan kriya  e comparados a 42 controles que não praticam nenhum tipo de prática de interação mente-corpo Os pesquisadores sugeriram que a Sudarshan kriya atenua os efeitos do estresse nas células, melhora o sistema imunológico porque ele aumenta os genes que inibem a morte celular.  

Pranayama:
Foram pesquisados  pacientes com leucemia linfocítica crônica que praticavam pranayamas, e controles com a mesma doença que não praticavam. Os resultados mostraram que 4.428 genes (dos 28.000 analisados) foram regulados em pacientes com leucemia que praticavam técnicas respiratórias. Houve também um aumento na imunidade.


Atenção Plena (Mindfullness):
Quarenta adultos idosos saudáveis ​​(idade 55-85) foram atribuídos aleatoriamente a um curso de atenção plena com 8 semanas de duração e outros a um grupo de controle de lista de espera. Estudos anteriores descobriram que os genes visados ​​com o fator de transcrição NF-κ B são mais expressos em pessoas solitárias, o que promove a inflamação e, portanto, o desenvolvimento de doenças. Os adultos que participaram do curso de atenção plena, além de relatarem um menor sentimento de solidão, tiveram uma reversão do padrão de expressão gênica pró-inflamatória

33 pessoas que estavam cuidando de um familiar frágil, doente ou com transtornos mentais foram submetidas a uma prática de 12 minutos de Kirtana Kriya, guiada por uma gravação de áudio todos os dias durante 8 semanas. Houve uma redução significativamente maior dos sintomas depressivos, com uma melhora na saúde mental geral, entre os cuidadores que praticaram a meditação.  Isso sugere que o Kirtana Kriya melhorou o sistema imunológico em termos de redução da inflamação e criou uma melhor defesa contra vírus

Tai Chi,
Foi pesquisado inflamação e sono em sobreviventes de câncer de mama em comparação com terapia cognitivo-comportamental para insônia. Tanto o câncer de mama como a privação do sono estão associados à inflamação.  Ambos os grupos Tai Chi e Terapia Cognitivo-corporal tiveram 40 participantes que participaram de reuniões de 2 horas uma vez por semana durante 3 meses. O Tai Chi pode reduzir as respostas inflamatórias celulares, houve um aumento na produção de proteínas que regulam a resposta antiviral e a atividade tumoral, melhorando o sistema imunológico

Iyengar Yoga:
Foram pesquisadas 29 pessoas que sobreviveram ao câncer de mama mas que apresentavam fadiga, 16 pessoas fizeram Iyengar Yoga por 3 meses, e 15 pessoas ficaram como controle. Houve uma significativa redução na sensação de fadiga, inclusive por 3 meses após o término da pesquisa. No âmbito fisiológico, houve uma queda nos genes associados à fadiga em pacientes de câncer, além de ter reduzido a atividade da 
NF-κB sugerindo um menor processo inflamatório.

Os efeitos clínicos benéficos do controle da respiração já foram amplamente relatados pela ciência.  O controle da respiração é um estado fisiológico oposto ao da resposta ao estresse. Caracteriza-se por diminuição do consumo de oxigênio e eliminação de dióxido de carbono, redução da pressão sanguínea e frequência cardíaca e respiratória e, tenta desativar os pensamentos. As análises de bioinformática mostraram que os praticantes de longo prazo apresentaram uma menor resposta ao estresse, porém, mesmo os participante a curto prazo foram beneficiados com a redução do estresse e melhora do metabolismo. Os resultados mostraram que praticantes a longo prazo e praticantes de curto prazo apresentavam diferentes perfis de expressão gênica na linha de base, sendo que os praticantes a longo prazo tiveram expressões gênicas mais consistentes e pronunciadas do que praticantes de curto prazo. Ambos os praticantes apresentaram mudanças que foram associadas ao metabolismo energético, cadeia de transporte de elétrons, oxidação biológica e secreção de insulina - todas essas vias são cruciais para a mecânica de energia mitocondrial, a fosforilação oxidativa e o envelhecimento celular.  


Os resultados dos estudos que utilizaram a análise de expressão gênica em pesquisas sobre meditação e MBIs relacionados encontraram uma regulação negativa de genes direcionados a NF-κB, o que pode ser entendido como a reversão da assinatura molecular dos efeitos do estresse crônico.  

Indicando que alguns dos benefícios psicológicos e físicos das MBIs são sustentados por mudanças biológicas nos genes NF-κB

Esses resultados precisam ser replicados em amostras maiores e com projetos de pesquisa mais fortes que controlam os efeitos não específicos dessas práticas e fatores de vida confundindo, tais como sono, dieta e exercício. Esta pesquisa abre as portas para o desenvolvimento e teste de uma teoria multi-nível de MBIs, que integra os níveis biológico, psicológico e ambiental.

Deve-se considerar os vários fatores ambientais e de estilo de vida que podem mudar a expressão gênica de maneiras semelhantes as práticas de interação mente-corpo. Por exemplo, os alimentos podem contribuir para a inflamação

As dietas ricas em gorduras saturadas estão associadas ao perfil pró-inflamatório da expressão gênica, que é comumente observado em pessoas obesas. 

Por outro lado, consumir alguns alimentos pode reduzir a expressão inflamatória do gene, por exemplo, beber 1 litro de mirtilo e suco de uva por 4 semanas altera a expressão dos genes relacionados à apoptose, resposta imune, adesão celular e metabolismo lipídico. Da mesma forma, uma dieta rica em vegetais, frutas, peixes e gorduras insaturadas está associada ao perfil de genes anti-inflamatórios, enquanto o contrário foi encontrado para a dieta ocidental, que consiste em gorduras saturadas, açúcares e produtos alimentares refinados."  



Portanto, não importa se você pratica por anos, por meses, 
ou  semanas porque os benefícios podem ser observados mesmo após alguns dias de intervenção, portanto, vamos procurar a atividade que mais nos agrade e vamos começar hoje!





Referência de autoria do artigo:
Ivana Buric, Miguel Farias, Jonathan Jong, Christopher Mee, Inti A. Brazil. What Is the Molecular Signature of Mind–Body Interventions? A Systematic Review of Gene Expression Changes Induced by Meditation and Related Practices. Frontiers in Immunology, 2017; 8 DOI: 10.3389/fimmu.2017.00670



Que todos os seres possam ter paz, 
Namastê


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